sábado, 2 de fevereiro de 2013

Carta para Daniela Mercury

Resolvi escrever algo sobre esse lado musical de minha vida. Lado musical em que Daniela está, acompanhada de Gil, Chico, Caetano, Verônica, Joyce e Zélia... Amo música, embora não tenha nenhum talento musical. Concordo com Nietsche que disse que “Sem música a vida seria um erro”.

Sou psicóloga. Também feminista , ativista, e acredito em um mundo melhor para todas e todos. Com justiça social, menor desigualdade entre os povos... um mundo onde uma pessoa valha tanto quanto outra pessoa, independente de origem, raça, sexo, credo, classe social, deficiências, idade...

Se em minha vida de profissional/militante sou conhecida pelas minhas bandeiras, já o gosto pela música apenas os mais queridos compartilham...
O gosto por música seria o meu “lado B”, que pode ser o menos publico, mas me compõe e é tão importante quanto o lado que todos conhecem.

Janaína Leslão 
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"Meus olhos arregalados não piscam pra qualquer um, nem fecham pra qualquer medo (Marta Medeiros)

O (en)Canto da (C)idade

Não, não sou tiete... Mas sou fã, e há tempos perdi a vergonha de, entre tantas outras coisas, dizer que gosto de Daniela Mercury. O Brasil (ou o sul/sudeste?) é assim: o que tem de generosidade também tem de preconceito, e a música baiana, da baiana, causa nariz-torto a muitos que não encontram nela seu espelho, como Narciso, cantado por Caetano.

Aos 15, morava eu no “interior-do-interior” o Paraná. Uma vez a cada um ou dois anos, meus pais reuniam os 3 filhos em um fusca bordô e viajávamos 606km até a praia. Houve um verão que a trilha sonora da viagem foi ao timbre de Daniela. No rádio do fusca, tocando em fita K7, lá íamos nós, felizes,  embalados pelo Canto da Cidade. Foi a primeira trilha, entre tantas com essa voz.

Correu o tempo, e aos 18 morava longe de casa, para estudar psicologia. Mudei de estado, e em meio a tantas novas experiências, o primeiro grande show que assisti foi de Daniela. Despretensiosamente caminhava pela feira agropecuária de Assis com amigos recém-feitos, quando avistei o palco iluminando a noite. Como cantora, a baiana também surpreendia como bailarina. Somava-se perfeitamente aos demais profissionais em seu palco. Eram poesia para os olhos. Feijão com arroz, o negro e o branco, o nordeste no sudeste, o sorriso em minha boca e a luz nos olhos meus.

Seguindo os anos, aos 22, com os primeiro período de estudos cumpridos. E cantarolando “se oriente rapaz, onde vai ser seu curso de pós-graduação”, pensando em Gil, não dava pra suspender a viagem. Queria ainda dar a volta no mundo, para vê-lo girar... 
Profissionalmente, tudo daria certo, porque “tinha” que dar, custasse o que custasse.
Sentimentalmente, havia muitas dúvidas... o tal "certo" era absolutamente intangível...

Seguia, como mutante, no fundo sempre sozinha. Romântica me perguntava se conseguiria a alegria dar a mão a alguém (ao estilo Clarice). Para a composição de cores e sentimentos de meu coração miscigenado, o alívio era rascunhar versos, como estes:

Vi. Vejas!
Tens cabelos negros.

Negro óleo
Precioso
Negra noite
Sedutora
Negro gato
Traiçoeiro
Negra cor
Enigmática
Negro pássaro
Migrador
Negra magia
Feiticeira.

E também
Negros olhos
Que negam
Ver os meus
Verdes
De esperança.”
              (Toda Cor)

Voltando as (c)idades que se seguiram, um amor que “Pra toda vida” chegou à minha, na voz do Barão Vermelho, como o tal amor gostava. Manaus, foi o cenário desta chegada. Inicialmente resisti, porque meu plano era deixar ela pensar o que quisesse mas, engano meu pensar que fosse brincadeira,  aconteceu de ser assim dessa maneira.  E os planos do destino foram gravados em um CD que dei ao amor de presente, tempos depois, já estando em cidade e idade diferentes: São Paulo, aos 25 anos.

A vida seguiu seu curso. Não pulei do alto da torre por ninguém, mas fui ver uma espécie de balé mulato do outro lado do mundo. Moçambique nos esperava, e o som de Daniela que tocava em meu fone de ouvido dizia: “espere amor, que estou chegando, depois do inverno, a vida em cores”.

Nesta temporada em Moçambique pude conhecer outras cores, flores, sons, movimentos. Movimentos inclusive que reconheci no show teletransmitido, direto do Farol da Barra, no dia 01 de janeiro de 2013. O som e dança que (ou)vi em Maputo foi a marrabenta. Inspirações pra sua performance sempre na mistura desses continentes, pro índio-afro-brasileiro que é nosso país.

Hoje, enquanto escrevo para você, estou ouvindo “Cinco Meninos”, que muito me emociona. É madrugada e espero minha amada voltar, pois foi jogar flores no mar, na festa de Yemanjá.

Espero que um dia as mulheres deste país e, quiçá, de todo o mundo, possam ter sua força, independência, sua fome de vida e seu olhar para o outro, enxergando-se como gente que precisa ser cuidada e amada, independente de raça, sexo ou credo.

Muitas vidas se dão em 20 anos, e parte da minha se deu ao som desta arte que por esses dias aniversaria.


Abraços, com muita admiração, por tudo o que és e fazes.