terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Guarujá, a praia e o lixo



Não trabalho na mesma cidade onde moro, assim, este é um diálogo que acontece ao menos uma vez na semana durante o verão:
_Onde você mora?

_No Guarujá.
_Nossa, que bacana! Você deve curtir muito a praia com esse calor.
_ Errr... Às vezes... _ e tento cortar o assunto por aqui.

Isso porque, durante a temporada, o Guarujá se assemelha a uma grande lata de lixo. E isso não é nenhum exagero.
Moro por aqui há quase três anos. E o lugar que tantos conhecem (conheciam?) pelas belezas naturais, hoje se destaca devido à sujeira.

Em um domingo de manhã, do verão de 2013, aconteceu de eu ir caminhar com as cachorras na orla da Enseada. Após dois quarteirões pela calçada à beira mar voltamos pra casa. O lixo jogado pelo chão era tanto, que dava nojo de continuar. Não se passeia em lixões. Quando muito, trabalha-se, em um serviço penoso. O cheiro podre, sacolas voando e urubus espreitando não me pareceram uma boa maneira de começar o dia de folga.

Nesta temporada a tragédia se repete. Várias foram as matérias que retrataram a situação das praias: Imundas. Com títulos bem ilustrativos tivemos Crianças brincam
perto do lixo em praia do Guarujá” no Estadão; “Banhista disputa lugar com lixo nas areias de Guarujá” na Folha SP e “Lixo acumulado fica preso em pedras de ilha em Guarujá” no G1, para citar alguns. Não é implicância minha.

A prefeitura respondeu nas reportagens que o lixo é recolhido uma vez ao dia e que varrem a praia por três vezes. Diante da situação, obviamente é pouco. E há anos!

O lixo dos quiosques são colocados em sacos plásticos e depositados no passeio junto à Avenida Miguel Estéfno. Sorte dos cachorros que vivem na rua, que não tem nenhuma dificuldade para rasgar os recipientes para se alimentar. Todavia, consequentemente, espalharam a sujeira pela calçada. Lixeiras suspensas seria uma solução bem simples.

Onde descartar uma lata de refrigerante, um palito de sorvete ou um recipiente de batatas fritas? Nas lixeiras azuis que existem na calçada beirando à avenida. Sim, elas existem, só que muito pequenas para a demanda dos passantes e muito longe de quem curte um banho de mar ou sol. Sem latões os banhistas descartam tudo na areia da praia. Também atitude recorrente dos atendentes de quiosques que, ao limpar as mesas, jogam canudos, guardanapos e outras miudezas no chão.


Apenas latas de alumínio não sobram na areia. Pessoas passam para recolhê-las, fazer uma renda e, quiçá, tomar o que sobrou de cerveja. Mesmo prestando este serviço indireto à comunidade, homens e mulheres que recolhem latas são tratadxs de maneira vergonhosa:  xs freqüentadorxs da praia atiram as latas na areia, para que sejam pegas. Qual a grande dificuldade de entregar as mesmas, mão na mão, quando xs catadorxs passam?

Ontem, ao entardecer, caminhava pela orla da Enseada. Fiz o registro das imagens dessas imagens porque é impossível fingir que isto não acontece. Em breve o mar subiria e varreria tudo aquilo para dentro de si.

Não posso dizer que não existem bons momentos. Ontem a única felicidade foi encontrar o grupo “Percutindo Mundos” se apresentando na orla. A banda é caiçara e, entre tantos sons, também cantou e dançou o mar. Mar que à esquerda do palco agonizava pelo mau uso.
O que se vê no Guarujá é a pouca infraestrutura que o local tem para receber a população flutuante que gira em 1,5 milhão ano. Já a população fixa, soma 290 mil habitantes.

Claro que turismo pode ser bom. Ma isso desde que o lugar eduque o turista e dê condições para que parte da população local viva do turismo e, a outra parte, sobreviva com dignidade apesar do turismo.


O lixo não é a única questão. Por aqui parece não existir leis de trânsito e de silêncio noturno na temporada. Ah, também presume-se que xs moradorxs sejam MUITO ricxs , dados os preços exorbitantes de janeiro à janeiro. Mas isso já é conversa para outra postagem.

LINKS PARA COISAS QUE CITEI:

Percutindo Mundos: http://percutindomundos.blogspot.com.br

Estadão, M.R., Crianças brincam perto do lixo em praia do Guarujá: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,criancas-brincam-perto-do-lixo-em-praia-do-guaruja,1114805,0.htm

Folha de São Paulo, Fabrício Lobel: Banhista disputa lugar com lixo nas areias de Guarujá, no litoral de SP: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1397332-banhista-disputa-lugar-com-lixo-nas-areias-do-guaruja-no-litoral-de-sp.shtml

G1 Santos, Aldo de Aguiar Falleiros: Lixo acumulado fica preso em pedras de ilha em Guarujá, no litoral de SP: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/vc-no-g1-tv-tribuna/noticia/2013/12/lixo-acumulado-fica-preso-em-pedras-de-ilha-em-guaruja-no-litoral-de-sp.html

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O "T" da Questão


O "T" da Questão (Visibilidade Trans)

Embora a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) tenha conquistado mais visibilidade e respeito nos últimos anos, as pessoas trans (principalmente as travestis, mulheres transexuais e outras que expressam uma identidade de gênero feminina) continuam enfrentando o desrespeito cotidiano de direitos tão básicos como o de serem chamadxs pelo nome que escolheram para si e utilizarem espaços (como banheiros) destinados ao gênero com o qual se identificam. Tal desrespeito, somado a violências ainda mais explícitas, afasta muitas destas pessoas da família, da escola e do mercado formal de trabalho.

Porém a população trans brasileira dá continuidade com cada vez mais força a uma luta iniciada há décadas e batalha pelo respeito ao direito de cada pessoa ter respeitado seu direito de autodeterminação, sem ser patologizada, discriminada ou agredida por não expressar seu gênero da forma como a sociedade dominante decidiu ser a mais adequada.

Na semana do 29 de Janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, nos perguntamos: Qual é o "T" da questão? Para nos responder o Coletivo Contra Maré convida para um debate com:
  • Daniela Andrade:  responsável pelo blog www.alegriafalhada.blogspot.com , co-responsável pela página Transexualismo da Depressão, colaboradora no site www.bulevoador.com.br e co-criadora do site Transempregos, que conecta profissionais trans a empresas que querem contratá-lxs;
  • Hailey Kaas: responsável pelo blog www.generoaderiva.wordpress.com e co-responsável pelo site www.transfeminismo.com;
  • Léo Moreira Sá: ator, iluminador, músico, protagonista da peça de teatro "Lou & Leo", que conta sua jornada enquanto homem transgênero, e diretor-fundador da Associação Brasileira de Homens Trans.

DEBATE: Visibilidade Trans- O T da Questão
Dia: 01/02/2014 (sábado)
Horário: 18h
Local: Associação Cultural José Martí
Endereço: Rua Joaquim Távora, 217. Vila Mathias. Santos - SP

O evento é organizado pelo Coletivo Contra Maré, um movimento social na luta contra a homo/lesbo/bi/transfobia e toda e qualquer forma de opressão. Através de atividades de formação, debates, articulações e outros baphos mais, lutamos pela diversidade sexual e liberdade de identidade de gênero. Um bando de bicha, bi, sapatão e trans (e o baile todo) afim de fazer revolução, remando contra a maré de opressão da heterosexualidade como regime político/econômico/social. 

Curta Coletivo Contra Maré no Facebook e some conosco! https://www.facebook.com/col.contramare?ref=ts&fref=ts

Página do evento no face: https://www.facebook.com/events/186668094875921/?fref=ts


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Para que um 29 de janeiro¹?

Aqui não há teorias sobre o surgimento de datas.
Melhor que ler é viver, ouvir, ver, estar.
Mas como muitos não estavam, escrevendo empresto meus olhos, ouvidos e alguns pensamentos:

Era por volta das 22h do dia 27 de novembro de 2013. Acabava de ocorrer a histórica posse do Conselho Estadual dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado de São Paulo.

Histórica porque foi a primeira, com direito a eleições diretas, regionalizadas e por seguimento. Mas o que presenciaríamos a seguir, se não histórico, era, ao menos, inacreditável naquele contexto.

Saindo da câmara municipal de São Paulo, após o coquetel da posse, as pessoas se aglomeravam em frente ao prédio para trocar suas últimas impressões sobre o evento, combinar carona para o lugar de origem e outras miudezas. Eis que em meio ao zumzumzum ouve-se gritos. E choro.

Caminhei em direção à confusão. Abro espaço e passo. Queria verificar o que estava acontecendo.  E quando vi, ouvi, senti a cena, levei alguns segundos para acreditar:

Na calçada estavam dois conselheiros recém empossados. Eles em pé, cabeça erguida, gritavam com uma jovem trans, apontavam para ela.
Ela, acuada, cabisbaixa, sentada na floreira que enfeita as grades da “casa do conselho” de antigamente, ou da “casa do povo” dos atuais otimistas. Chorava.

O gênero masculino acusava. O gênero feminino calava.
Como não intervir?
_Ela é louca _dizia “um”².
_Uma viciada _ dizia “outro”.

Argumentei que aquilo era violência. Pedi que parassem de gritar. Que aquela cena era absurda, que a moça estava sendo constrangida, acusada e ofendida. Que aquela exposição era desnecessária...
 _Ofendido fiquei eu_ aos berros retrucou “um” _ pois me buscaram no meio da cerimônia porque ela estava me chamando ³.
_Eu só estou pedindo para que parem de gritar! _ falei.

_Você não a conhece, é uma viciada em hormônios. Saiu e foi ali comprar_ dizia “outro” apontando para o lado oposto da rua.
_Se você quiser eu mando o prontuário dela pro seu email _ falou “um”_ aí você vai conhecer toda a história dela.
_Quando eu quiser saber da história dela, quem me contará será ela e não vocês, que gritam ao quatro ventos ou propõem emails com prontuário alheio_ respondi, pensando que acesso era aquele que “um” tem a prontuários...

_Está vendo “um”_ disse "outro" se dirigindo ao amigo_ essa aí só quer saber de "clinicar", não se interessa em saber o que acontece com as pessoas, não quer saber de nada e fica se intrometendo!

Incrédula, me afastei. Não havia possibilidade de interlocução...
E os gritos se transformaram em vozes altas e foram se dispersando as declarações absurdas, no meio do Viaduto Jacareí, nº 100, da cidade de São Paulo.

Naquela noite, eu e outras tantas pessoas, fomos violentadas. Tanto quem teve sua história (?) espalhada para estranhxs quanto quem foi submetidx a essa cena de violência. Violência psicológica devido ao constrangimento e humilhação. Violência moral devido a difamação.

A reunião na câmara, que era para ser apenas de comemoração ao nascimento de um conselho de direitos, foi cenário da exposição da vida íntima de uma pessoa. Pessoa esta que pertence a uma das populações mais vulneráveis que temos notícia na atualidade: a população de travestis e transexuais.  Afinal, eu que nunca troquei meia palavra com aquela moça, hoje, tenho idéias, verdadeiras ou não, de que ela ainda é uma adolescente, tomava hormônios de 4 em 4 horas, está sob a guarda do Estado e um dia foi “ajudada” por aqueles que estavam a ofendendo.

No dia 27 de novembro de 2013, também tivemos uma demonstração do machismo vigente no seio na comunidade LGBT: dois homens do gênero masculino violentaram uma trans do gênero feminino em público. 
Relato o que vi, mas eu não estava sozinha!

Infelizmente coisas assim vão continuar acontecendo enquanto os homens gays e bi não enxergarem que o que alimenta a homofobia é o machismo; enquanto xs machistas não perceberem que o machismo também xs oprime; enquanto xs oprimidxs não descobrirem que elxs é que dão poder ao opressor; enquanto as pessoas não perceberem que somos todxs iguais, apesar deste sistema que ensina que umas pessoas são melhores que as outras, que tudo é uma questão de “mérito”, de “escolha”, de “sorte”,  de “destino”, ou seja lá o que for que tira a responsabilidade coletiva (minha, sua e deles) dos rumos que as pessoas e a nossa sociedade toma.

Não sou otimista. Creio que a humanidade não deu certo, e nem dará! Mas podemos lutar para ter alguns bons exemplos de exceção, que obviamente serão para confirmar a regra anterior. 
Devaneios? Companhia? 
...
(1) Dia da Visibilidade Trans

(2) Não cito nomes porque esta postagem deseja gerar reflexão e não fazer uma denúncia. No mais, como já diz o subtítulo do blog devaneios são devaneios...

(3) No outro dia pela manhã fiquei sabendo por outras moças trans que o “um” foi chamado durante a cerimônia de posse porque a garota estava trancada no banheiro e ameaçava se matar, saltando da janela d prédio. Inúmeras pessoas já haviam tentado em vão que ela abrisse a porta de onde estava. Contaram-me ainda que “um” chegou na porta do banheiro, fez-lhe uma ameaça e ela imediatamente abriu a tal porta. Essa parte eu não (ou)vi, apenas ouvi dizer. Porém, seja lá como for, uma pessoa que está ameaçando se matar durante a posse de um conselho de direitos está de fato em sofrimento e pedindo ajuda. Não é motivo sequer para usarmos a palavra “incômodo”, quem dirá motivo para violenta-la ainda mais, no privado ou no público.